A confiança da alma pecadora desejosa de retornar ao bom caminho
Se, apesar de Deus nos dar todas as condições para praticar a virtude, isto não acontecer, a restauração será feita por Deus que a criou. Como ela se dá?
Redação (14/07/2020 11:25, Gaudium Press) É interessante acompanhar a restauração de alguma obra de arte, pois, por vezes, conforme o talento de quem realiza o processo, a peça acaba ficando mais bela e rica do que era anteriormente.
Nesses casos, pode-se traçar um paralelo entre esta realidade e a de uma alma desfigurada pelo pecado. Vejamos um exemplo no Antigo Testamento
O profeta Miqueias
Os profetas, homens íntegros, veem as últimas consequências da palavra de Deus. Sabem avaliar como ninguém a gravidade da crise de fé na sociedade, numa época que tudo aparenta normalidade. Quando a desgraça se aproxima, são eles que pregam a confiança em Deus, como única solução para os problemas.
Miqueias não foge à regra. Anuncia o cativeiro da Babilônia e a posterior libertação dos filhos de Jacó. Mas será necessário passar por uma purificação: “Contorce-te e geme, filha de Sião, qual parturiente, porque agora sairás de tua cidade para morar no descampado” (4, 10).
Mais do que predizer a libertação de um exílio, este profeta prenuncia a vinda gloriosa do Messias e indica o local de seu nascimento: Belém de Éfrata (cf. Mq 5, 1). É ele ainda que, ecoando a voz do grandioso Isaías, refere-se à Santíssima Virgem como Mãe do Salvador: “Por isso, Deus os abandonará até o momento em que der à luz aquela que deve dar à luz” (5, 2).
É por intercessão da Virgem de Nazaré que o povo, antes abandonado por Deus, poderá esperar a restauração.
Lamentação do Profeta
Miqueias está anunciando com cerca de sete séculos de antecedência aquilo que ele gostaria de contemplar com seus próprios olhos, mas só verá da eternidade: o nascimento do Messias.
Enquanto não chega à Terra o Redentor, os homens procuram aplacar a cólera de Deus oferecendo-Lhe em holocausto touros, bezerros, carneiros… O povo sentia a necessidade urgente de uma purificação e não faltavam aqueles que, imitando os costumes pagãos, chegaram a sacrificar os próprios filhos!
O profeta lança-lhes increpantes perguntas: “Será que o prazer do Senhor está nos milhares de carneiros ou na oferenda de rios de azeite? Ou devo sacrificar meu primogênito para pagar meus erros, o fruto de meu ventre para encobrir meu pecado?” (6, 7). E lhes relembra o procedimento certo para agradar ao Altíssimo: “Já te foi indicado, ó homem, o que é bom, o que o Senhor exige de ti. É só praticar o direito, amar a misericórdia e caminhar humildemente com teu Deus” (6, 8).
Logo a seguir, lamenta-se por ter procurado em vão judeus ainda fiéis à Lei — “Estou como quem colhe frutos secos, quem rebusca depois da colheita” (7, 1) — e vê-se obrigado a chegar a esta triste conclusão: “Acabaram no país as pessoas de bem, ninguém há que seja honesto, estão todos de tocaia para matar, cada qual com sua armadilha para caçar o irmão” (7, 2).
Confiança na restauração
O profeta não tinha ilusões, já não poderia esperar nada da parte humana. A experiência havia comprovado que o povo não queria converter-se do mau caminho. Entretanto, exclama num arroubo heroico de confiança: “Mas eu me volto para o Senhor, espero em Deus, meu salvador, e meu Deus me atenderá” (7, 7). Assim é a fé dos profetas: jamais se abala diante da ingratidão dos homens.
Tamanha é sua confiança que brotou do seu espírito este brado de desafio da alma pecadora, castigada justamente por Deus, mas certa de que, por fim, obterá misericórdia e será resgatada: “Não cantes vitória minha inimiga, porque quando caio, depois me levanto, mesmo que eu venha a morar nas trevas, o Senhor é minha luz. Devo suportar a ira do Senhor, porque pequei contra Ele, até que julgue a minha causa e me faça justiça. Ele há de me levar para a luz e contemplarei sua justiça” (7, 8-9).
Santo Ambrósio nos alerta que o demônio se aproveita da fragilidade humana diante das adversidades do mundo, das doenças, da perda de algum familiar, para levar a alma a duvidar do auxílio divino. “Onde está o Senhor teu Deus?” (7, 10), pergunta capciosamente o maligno, como se o Altíssimo tivesse abandonado a alma no meio das aflições, mesmo quando esta esteja sofrendo um castigo reparador.
Pelo contrário, em vez de ceder à tentação, este é o momento de juntar as mãos e dizer com o profeta Miqueias: “Haverá algum Deus igual a Ti, Deus que tira o pecado, que passa por cima da culpa do resto de sua herança, não guarda sua ira para sempre e prefere a misericórdia?” (7, 18).
Entre extremos de ameaça, o profeta anuncia em nome do Senhor o castigo e mostra o caminho da reabilitação. A via da desgraça é a do pecado, que expulsa da alma a graça de Deus e atrai o castigo; a da regeneração é a da humildade de quem confessa suas faltas, confiando na misericórdia de um Deus que, sete séculos depois, morreria na Cruz para redimir a humanidade.
A este ato de contrição, humildade e confiança nos incita Miqueias com as palavras finais do seu livro: “Ele vai nos perdoar de novo! Vai calcar aos pés as nossas faltas e para o fundo do mar jogará todos os nossos pecados” (7, 19).
A confiança restauradora em Nossa Senhora
Miqueias anunciava a redenção para um povo que nem sequer havia assistido à destruição de Jerusalém, ocorrida pouco mais de um século depois. Suas profecias eram condicionais: o povo sofreria tais devastações caso não se convertesse. Porém, com exceção dos reis Ezequias e Josias, fiéis à Lei, quase ninguém mais quis dar ouvidos à celeste advertência.

Embora não tenha tido a felicidade de recorrer diretamente a Nosso Senhor Jesus Cristo, o profeta Miqueias retrata em seus escritos a alma angustiada pelos próprios pecados, mas confiante na misericórdia divina.
Além do Sacramento da Reconciliação, que restaura a alma deformada pelos pecados, deixou-nos o Divino Redentor outro auxílio seguro para obter seu perdão: a devoção a Maria Santíssima. Se assim se pode dizer, Deus criou seu “ponto fraco da misericórdia”, dando-nos por mãe sua própria Mãe.
A Ela não pode deixar de recorrer toda alma desejosa de ser restaurada. E uma boa invocação mariana para obter tal graça é a de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Como indica eloquentemente este seu título, sempre está Ela pronta a ouvir nosso clamor e a socorrer-nos a todo instante, desde que estejamos dispostos a abandonar tudo quanto nos afasta de Deus.
Pe. Thiago de Oliveira Geraldo, EP
(Texto extraído, com adaptações, da revista Arautos do Evangelho n.171 mar. 2016 p. 22-24).






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