O Ébola e o diploma da vida
Redação – (Sexta-feira, 03-10-2014, Gaudium Press) – Há perguntas que afloram ao espírito de um modo cruel: qual o relacionamento que deve ter um profissional da área da saúde com os seus pacientes? O médico, o psicólogo ou os enfermeiros devem viver a dor daqueles que passam por seus cuidados? O grau de envolvimento com o paciente deve ser de indiferença ou o médico acompanha o sofrer de seu semelhante?
Dra. Ane e Patrick, vítima do èbola |
A resposta é difícil…
Para poder continuar a exercer uma profissão ligada à vida, àquilo que a criatura humana tem de mais precioso, muitas vezes, o homem deve tomar resoluções duras no campo emocional. E esse drama a doutora Ane Bjøru Fjeld Sæter viveu recentemente.
O depoimento dela foi estampado no site do jornal Dagbladet e mostra a luta que ela teve que enfrentar diante de um inimigo invisível, pouco conhecido e que, na surdina, devasta de modo implacável e, impiedosamente, extermina vidas: o Ébola.
Ane é uma psicóloga norueguesa. Ela optou por trabalhar com os Médicos Sem Fronteiras (MSF) em áreas de risco e de difícil ação. Já esteve num campo de refugiados no Sudão do Sul, depois, mais recentemente, foi para Serra Leoa e Líbéria. Lugares castigados por essa doença que até agora permanece incontrolável.
Ane afirma que trabalhar com as vítimas do ebola é uma tarefa altamente gratificante. E isso, apesar de ela sentir-se como quem quer acabar com um incêndio, utilizando uma pistola de água. Ela, que estudou as reações do comportamento humano, viveu uma experiência profunda em si mesma.
Ane afirma que não consegue fazer seu trabalho sem, de alguma maneira, se envolver emocionalmente com o universo que a cerca. A questão difícil é saber como fazer esse envolvimento e manter-se dentro de um equilíbrio indispensável na ajuda ao próximo.
E a vida de Ane foi marcada, de forma indelével, por um sorriso de…, digamos assim, um condenado à morte, o pequeno Patrick.
Em seu relato, a especialista explica que a Libéria está dividida por uma cerca de cor laranja. Essa medida é de cunho sanitário, para proteger o avanço da epidemia.
Realizando seu trabalho ela deu-se conta que, do outro lado da barreira, um menino lhe sorria sempre que a avistava. Criou-se um relacionamento.
O jovem Patrick brincava com companheiros mais velhos do que ele, talvez por não se dar conta da morte iminente ou como um protesto do seu ser, por sentir-se tão novo para morrer.
E psicóloga a cada dia colocava-se a si mesma um angustioso problema: “Ane, não entregue o seu coração para esta criança que logo não estará mais entre os vivos. Daqui a uma semana ele já terá partido para sempre… Como é que você vai fazer seu serviço quando ele se for? Você não sabe com o que está lidando…”
E num certo dia a hora fatídica acabou por chegar:
Patrick, o sorrriso e o diploma da vida |
O sorriso torto da criança franzina, não estava lá no lugar habitual. A doença havia se agravado e o pequeno foi desenganado.
Ane apressou-se, vestiu sua roupa de “astronauta” e dirigiu-se ao leito de Patrick.
Quase sem forças, ele esboçou um sorriso e conseguiu ainda balbuciar algumas palavras: “Você pode me dar uma bicicleta de presente”?
Ane, então, procurou convence-lo da seriedade da enfermidade e, no dia seguinte, fez-lhe outra visita. Vendo-a, o menino perguntou logo pelo presente…
Sem saber como responder, Ane disse-lhe que havia se esquecido.
E aqueles lábios infantis replicaram com pensamentos de adultos:
“É… Mulher é assim, esquece. Homem nunca esquece!”
Alguns dias depois, a psicóloga percebeu que o pai de Patrick, que acompanhava de perto o calvário do filho, estava com o rosto mudado. Estava alegre.
O impossível havia acontecido. O frágil africano tinha vencido a doença e estava recuperado, apesar da pequena mancha do lado de seu olho, sequela da terrível enfermidade.
Patrick recebeu, então, o seu primeiro diploma – um documento médico atestando sua cura – e agora, junto com seu pai, estava de novo do lado da vida.
Por Lucas Miguel Lhieu
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