Clínicas de reabilitação pelo uso excessivo de celulares ou de internet?
Redação (Segunda-feira, 19-11-2018, Gaudium Press) É muito difundido, nas redes sociais, uma jocosa crítica sobre sua utilização. Trata-se de um indivíduo que recorre ao mesmo método do Facebook, Whatsapp e outros aplicativos, para fazer amigos, mas com a diferença que o faz pelas ruas. Vai dizendo aos transeuntes o que comeu, como se sente, de qual esporte gosta, o que fez no dia anterior ou pretende fazer no dia seguinte. Em seguida lhes mostra fotos de sua família, de seu animal de estimação, fotos próprias cuidando do jardim de sua casa, lavando o carro, comendo, em um passeio. Escuta as respostas e diz a todos que os ama. Conclui dizendo que realmente teve efetividade o método, e que já conseguiu três seguidores: dois policiais e um… psiquiatra!
Jocoso, burlesco, real? Sim, podemos dizer que nos deixou pensativos. Pois, a avalanche de notícias sobre uso excessivo dos celulares, o domínio das telas, o tempo que ocupa cada um interconectado, o começo de grupos que se declaram “desconectados”, a proposta de “abstinência digital” por 24 horas, os efeitos na saúde e o comportamento de crianças e pré-adolescentes, o bullying, o assédio, o vício aos videogames, etc., nos oprimem. Há o que chamam de “conectividade exacerbada”, ou de FOMO (acrônimo de ‘fear of missing out’), medo de ser excluído, de se perder algo nas redes sociais, de ficar fora de um evento. Síndrome que leva os usuários a permanecerem conectados a Internet ou checar a todo momento o celular.
Aparecem novos aplicativos digitais, para combater isto, que põem um “limite” automático (a conexão é interrompida), ou um “não perturbe”, para que não seja bombardeado a todo momento de notificações, ou que o “brilho da tela” diminua, pois se aproxima a hora de dormir.
Mesmo assim, “o tempo crescente de uso de dispositivos e o consumo de determinados conteúdos apresenta perigos tanto físicos como psicológicos. Crescem as consultas a oftalmologistas e cinesiologistas pelo mal uso das telas, também cresce a angústia, especialmente na adolescência”, afirma a articulista Martina Rua (La Nación, Bs. As, 22-5-2018). Não deixa de considerar que os que passam muitas horas diante do celular ou internet, são mais propensos à ansiedade e à depressão.
A tudo isto, nos vem agora notícias sobre a existência de “clínicas de reabilitação para este novo tipo de vício. São elas muito numerosas, especializadas -como se qualificam- ante “o uso disfuncional da internet”; consideram também o tratamento de casos reais de excessivo uso do celular, aqueles que passam a maior parte do dia presos a eles. A terapia pode durar até dois meses. Nesses lugares, tablets, celulares, computadores, são completamente proibidos. Seu objetivo é reverter a situação, que o “paciente” se reaproxime de suas famílias e amigos, aos estudos normais cotidianos, e ter uma relação com os instrumentos tecnológicos de forma normal.
“Nós os desconectamos. Essa é a regra” – afirma a diretora de uma destas clínicas, Danielle Kovac-, e se estende dizendo: “Psicólogos e psiquiatras norte-americanos estão divididos: para alguns o vício seria um sintoma de outras síndromes, como paranoia e depressão, e não a causa dos mesmos. Para outros, seguiria características idênticas às de outras dependências já conhecidas, como o álcool e as drogas. Há países que não reconhecem o problema oficialmente, outros sim; na Coreia do Sul a dependência de internet foi classificada como ‘problema de saúde pública’ e é tratada em hospitais” (bbc.com, Ricardo Senra. 8-2-2018).
Sugestivas são as declarações do psicólogo norte-americano Adam Alter, autor do livro “Irresistível”. Em ampla reportagem, ele afirma que “o vício às telas é muito mais extenso que o das substâncias (que afetam a uma parte muito pequena da população), e avança de uma maneira silenciosa. Ser viciado em heroína não está socialmente aceito; mas ser viciado em tecnologia, é. As pessoas esperam que respondas as mensagens imediatamente, no elevador, ou enquanto janta”. (Sandro Pozzi. El País, Madrid. 25-2018).
As empresas promotoras dos meios de comunicação eletrônicos conseguiram que na mão de quase todo mundo haja um aparato, que seu uso se transforme em necessidade, e que seja difícil ‘desconectar-se’. Aí está o problema. Lhes interessa que os usuários passem a maior parte do tempo ‘presos’ a estes artefatos pois, é o objetivo de suas vendas. Singularmente vemos uma contradição, se constata que muitos dirigentes, destas companhias, mandam os seus filhos para colégios livres de tecnologia…
Variadas são as formas de detectar o vício. Aqui nos interessa comentar a qualificada como psicológica: “parece uma bobeira, mas o telefone está ocupando cada segundo que tens livre. Está bem que não ficas entediado, mas do entediamento surgem ideias”, diz Adam Alter na mesma entrevista. Esse entediamento de não ter interesse por nada, de que me falta algo entretido para ver, escutar ou fazer, desagrada. Tristezas ou angústias os aproveitam, quando estão sozinhos, desconectados do mundo que os rodeia. Preferem, para acalmar esta solidão -mesmo estando rodeados de outras pessoas- “submergir-se” no mundo digital, horas e horas. Querem encher esse vazio penetrando em outro vazio pior ainda, que pode transformar-se em um vício.
Agrava a situação o fato de que a tecnologia, a cada momento, é cada vez mais sofisticada. Há uma década as empresas prometiam que seus produtos ajudariam a criar comunidades e aumentar o relacionamento. Mas, ocorreu o contrário, se pode ter milhares de amigos nas redes, mas se constata que não há nada que possa substituir o convívio de pessoa a pessoa, o velho método de construir amizade, comenta o sociólogo americano Erick Klinenberg (The New York Times, 13-2-2018).
Este vício é mais difícil de combater que a dependência ao álcool ou à droga, nas quais, a mera mudança de ambiente ou dos elementos que o dominam, em alguns casos, pode resultar muito positivo. Mas como sair desta rotina com os desenvolvimentos tecnológicos de hoje? Como conseguir isso se estamos rodeados de telas que são colocadas até debaixo do travesseiro?; “são como parte de nosso próprio corpo” dizem uns, outros que “é algo essencial em suas vidas”, afirmações muito frequentes em entrevistas ou pesquisas. Em seu momento o chamaram “nomofobia”, quer dizer a ansiedade de estar desconectado. Estamos, como é comum qualificar, “tecno-institucionalizados”, caminhamos para o robótico através do domínio da tecnologia, muitos correm o risco de chegar a ser “viciados tecnológicos”.
Por Padre Fernando Gioia, EP
Traduzido por Emílio Portugal Coutinho
(Publicado originalmente em ‘La Prensa Gráfica’, 18 de novembro de 2018)
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