Especial João Paulo II: O caminho do Vaticano às honras do altar
São Paulo (Domingo, 1º de maio, Gaudium Press) No dia do funeral de João Paulo II, um triste 8 de abril de 2005, parte da multidão de milhares de fiéis enlutados na Praça de São Pedro proclamou em alta voz: “Santo Subito!” (“Santo já!”, em italiano). Era o pedido pela imediata chancela de santidade do querido pontífice que partia.
Não, a multidão não foi atendida. Não literalmente. De fato, não é possível que ninguém seja proclamado imediatamente “santo” ou “beato” sem antes ter sua vida devidamente escrutinada por uma série de especialistas canônicos, atender a determinados requisitos e passar por um processo que, segundo as normas tradicionais da Congregação para a Causa dos Santos, deve ter início cinco anos após a morte do candidato às honras do altar. Claro, toda regra tem sua exceção.
E foi exatamente o que aconteceu no caso de João Paulo II. Em uma iniciativa rara – mas não inédita – o Papa Bento XVI levantou o prazo de cinco anos de falecimento para dar início ao processo que levaria à beatificação de hoje e a uma possível canonização de seu predecessor. Poucos meses após a morte de João Paulo II, a causa já começava a andar.
O feito não é inédito. Já ocorreu anteriormente, com Madre Teresa de Calcutá, beatificada em 2003 em uma multitudinária cerimônia no Vaticano que reuniu mais de 300 mil fiéis. A devota e religiosa de vida pia e reta que nasceu na Armênia mas abraçou a Índia como casa e causa teve seu processo de beatificação concluído quatro anos após sua abertura – o que o caracteriza como o mais célere da história.
No caso de Madre Teresa, a pedido do então arcebispo de Calcutá, também foi ignorado pelo Vaticano o prazo habitual de cinco anos para dar início às investigações. Madre Teresa faleceu em 1997 e seu processo foi aberto em 1999. E foi autorizado e concluído pelo mesmo João Paulo II que agora também alcança as honras do altar antes dos cinco anos tradicionais.
Antes de Madre Teresa e João Paulo II, a causa de beatificação mais rápida havia sido a de José María Escrivá de Balanguer, fundador do Opus Dei, beatificado em 17 de maio de 1992, 17 anos após de sua morte (ocorrida em 26 de Junho de 1975).
Trâmites do processo de João Paulo II
O processo de beatificação do agora beato João Paulo II foi anunciado por Bento XVI no dia 13 de maio de 2005, aberto oficialmente no dia 28 de junho, apenas 61 dias depois de sua morte, e concluído precisamente em cinco anos e seis meses. Dom Slawomir Oder foi o postulador da causa de beatificação e canonização.
São três as etapas pelas quais deve passar o candidato a santo – confirmação das “virtudes heroicas”, beatificação e canonização -, e para as duas últimas se necessita da comprovação de milagres. A causa de João Paulo II, como todas as causas de beatificação, teve início em âmbito diocesano. O postulador Oder reuniu documentos primários sobre as virtudes de Karol Wojtyla, que encaminhou à Congregação para a Causa dos Santos. A Congregação deu então o “nihil obstat” (permissão) para iniciar o verdadeiro processo das “virtudes heróicas”.
Em seguida, o postulador deve reunir toda a informação, de depoimentos até cartas e escritos, para demonstrar que o candidato praticava de forma “heroica” e continuada as virtudes da fé. Foi o que fez Dom Slawomir, amealhando um vasto material bibliográfico sobre João Paulo II – mais tarde, parte dessas informações seriam condensadas pelo postulador no livro “Por que santo?”.
Em 2007, ao término dessa fase, Dom Slawomir entregou ao Vaticano a “Positio super virtutibus” (posição sobre as virtudes do candidato). Todo o material, um rico apanhado sobre a vida de João Paulo II, seria então examinado minuciosamente pelos consultores teólogos da Congregação para a Causa dos Santos.
Ao cabo dessa etapa, a causa passa ao juízo da “sessão ordinária dos cardeais e bispos”, o comitê da Congregação que se encarregará de elaborar um documento reconhecendo as virtudes heroicas do candidato. Este documento é então remetido para apreciação, e eventual confirmação, do Papa. No dia 19 de dezembro de 2009, Bento XVI assinou o decreto comprovando as “virtudes heroicas” de João Paulo II , elevando-o à categoria de “Venerável” da Igreja.
A partir de então, passou-se à parte mais delicada da causa, a que envolve a comprovação de pelo menos um milagre para que o candidato possa ser considerado beato. A Congregação para a Causa dos Santos se vale da assessoria de uma equipe de 70 médicos e vários especialistas, bem como dos estudos clínicos aos quais é submetido o indivíduo supostamente curado por um milagre. Uma primeira aproximação do fenômeno denominado “milagre” é que a cura tenha acontecido de forma instantânea, perfeita e duradoura e inexplicável cientificamente, como a de uma doença incurável ou muito difícil de se tratar.
O milagre atribuído à intercessão de João Paulo II, que, após extensa análise da Comissão da Congregação para a Causa dos Santos e de médicos, atestaram o caráter ” cientificamente inexplicável” do fato, foi a cura Marie Simon Pierre, religiosa que como João Paulo II sofria do Mal de Parkinson. Ela foi curada em junho de 2005, dois meses após a morte do Papa, a quem era devota e rezava diariamente. A freira pertence à Congregação das Irmãzinhas das Maternidades Católicas e trabalha em Paris.
No dia 4 de janeiro deste ano, a Comissão Médica consultada pelo Vaticano aprovou o milagre. Em seguida, o Papa Bento XVI assinou o decreto confirmando-o. Em uma audiência com o cardeal Angelo Amato, prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, o Papa aprovara decretos para a causa de diversos religiosos. Entre esses, estava o milagre atribuído pela intercessão do Papa polonês à cura da religiosa francesa que sofria do Mal de Parkinson, a mesma doença que Karol Wojtyla combateu durante toda a vida. Assim, João Paulo II passava a ser “Servo de Deus” e poderia ser beatificado.
No dia 14 de janeiro, o Santo Padre anunciou a data da cerimônia para o dia 1º de maio. Em um comunicado vaticano, a escolha da data foi justificada por ser o dia em que a Igreja celebra o Domingo da Divina Misericórdia, que sempre foi de profunda devoção para João Paulo II.
E o desfecho não poderia ser melhor. Na cerimônia de beatificação de hoje, pleno Domingo da Divina Misericórdia, será Irmã Marie Simon Pierre quem portará a relíquia com o sangue de João Paulo II. E o papa polonês seguirá rumo à canonização…
Pedro Ozores Figueiredo
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