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A Santa Quaresma: um caminho para a mudança de mentalidade, a “metanóia”

Redação (Quinta-feira, 02-03-2017, Gaudium Press) O tempo da Quaresma nos prepara para as solenidades pascais da Semana Santa purificando nossos corações na prática perfeita da vida cristã. Trata-se de renovar-nos espiritualmente, de mudar, de melhorar. Conquistar o que chamamos “metanóia”, quer dizer, uma mudança de mentalidade, uma mudança de coração, rumo -evidentemente- ao bem. Para que este percurso quaresmal, este tempo litúrgico, seja um caminhar para uma conversão interior, dispondo-nos a que nos aproximemos do sacramento da Reconciliação, da Confissão. Começando a quarta-feira de Cinzas, através de 40 dias, chegando até a Missa da Ceia do Senhor, na Quinta-feira Santa.

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Importa ressaltar que notamos, com o passar do tempo, um divórcio entre o que se pensa e o acionar diário na vida dos homens. São Paulo exortava aos Romanos (12,1) para que não se conformem com o mundo: “não vos conformeis com este século”. Convidava a viver o Evangelho de maneira coerente, e que estendam a vida cotidiana, as suas formas de ser e de atuar, os ensinamentos que recebem. Que não haja uma separação mas, pelo contrário, uma simbiose, um prolongar-se -por exemplo- do que sentem em uma celebração Eucarística até a vida diária. Que esses momentos, esses depois, sejam uma como que prolongação do que viveram e sentiram.

Essa ruptura ocorre nos dias de hoje em muitos cristãos que não refletem, em suas maneiras, gestos, atitudes, tudo o que seus próprios lábios afirmam. Em sua forma de vida em geral, há uma discordância entre os ensinamentos do Evangelho, os Mandamentos da Lei de Deus e os preceitos da Santa Igreja. Podem participar habitualmente das missas dominicais, mas, ao sair, encontrando-se com o mundo secularizado que os rodeia, suas vidas se distanciam desta santa realidade que viveram apenas um pequeno período de tempo durante a semana. Na vida familiar, profissional, cultural e social, tudo como que se “esqueceu”… Não se produziu uma osmose entre o que acreditam e celebram, com o que posteriormente vivem.

Em uma das formas de despedida, terminada a Missa, antes do “Podeis ir em paz”, momento em que partirão para sua vida cotidiana, o sacerdote diz: “glorificai com vossas vidas ao Senhor”. Aclamação que convida para que cada um faça de suas vidas um testemunho missionário contínuo, para que a santidade e dignidade do que se vive, seja como um insustentável manancial que atrai aos outros. Vida litúrgica e vida cristã estão intimamente unidas como causa e efeito, são realidades indissociáveis. Bem afirmava São João Paulo II que: “uma liturgia, que não tivesse um reflexo na vida se tornaria vazia e certamente não agradável a Deus” (26/9/2001).

Este Papa, seriamente preocupado com a avalanche de mudanças culturais que se viviam, dizia que urgia restabelecer o corpo cristão da sociedade humana; e que somente se conseguiria isso com a presença de testemunhas da Fé Cristã, testemunhas que superem, nelas mesmas, “a fratura entre o Evangelho e a vida, recompondo em sua vida familiar, no trabalho e na sociedade, essa unidade de vida, que no Evangelho encontra inspiração e força para realizar-se em plenitude” (Mane Nobiscum Domini, 34). Para restaurar a vida cristã na sociedade, se faz necessária uma coerência de vida que supere a “fratura” que sofrem os homens de hoje.

Para chegar a isto, endereçando os caminhos da vida, nada melhor que a assistência dominical à Missa, aí se obterá fortaleza nos corações para enfrentar as forças do mal que cada vez adquirem um sinistro poderio. Pois sempre, a liturgia dominical, terá algo para dizer-nos ao coração, nos aproximará a uma verdadeira e profunda ação de Deus em nosso interior. Intervenção que penetrará na vida cotidiana e acabará sendo, como dizia Bento XVI, um “serviço para a transformação do mundo (Teologia da Liturgia, p. 470). Destacada missão em prol do “faça-se tua vontade assim na terra como no Céu”, indispensável compromisso de entrega do coração a todo momento, em todo lugar. Ao empapar-nos do autêntico espírito cristão nos transformamos a nós mesmos, e consequentemente conquistaremos a transformação de um mundo em sério processo de descristianização.

Aproveitemos este percurso quaresmal para que nossa vida seja de acordo com o que cremos e defendemos. Que demos testemunho de nossa Fé, não somente com nossos lábios ou palavras, também com nossa conduta diária.

O escritor francês Paul Bourget, em sua obra “Le Démon du Midi” (1914), afirmava que “é necessário viver como se pensa, sob pena de cedo ou tarde, acabar pensando como se vive”. A integridade é viver como se pensa, de acordo com os princípios que se defendem, sem mancha alguma que a estrague. Manter a consonância entre os princípios ou doutrinas que se defende ou prega, e a vida concreta de todos os dias.

Bem afirmava o Apóstolo São João em sua carta (2, 3-11): “O que diz: ‘eu o conheço’ mas não cumpre seus mandamentos, é um mentiroso e a verdade não está com ele. Mas naquele que cumpre sua palavra, o amor de Deus chegou a sua plenitude, e precisamente nestes conhecemos que estamos unidos a ele. O que afirma que permanece em Cristo deve viver como ele viveu”.

Que nesta Quaresma preparemos nossos corações, mudemos de mentalidade, tenhamos uma “metanóia”, mas, com a decisão firme de ser coerentes, e “vivamos como pensamos”. Tudo o que façamos de “sacrifícios e oferendas”, não serão nada, não terá efeito, se não forem acompanhados de uma entrega íntima de nossos corações aos preceitos da Igreja, aos Mandamentos da Lei de Deus, que são a expressão da vontade do próprio Deus. Que a Santíssima Virgem, Mãe Dolorosa, nos leve sempre a Jesus, Nosso Senhor. Amém.

Por Padre Fernando Gioia, EP

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(Publicado originalmente em La Prensa Gráfica, 1-3-2017)

Traduzido por Emílio Portugal Coutinho

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