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Inesperada visita: Lutero, Ario, Acab

Redação (Segunda-feira, 26-08-2019, Gaudium Press) Certas visitas não são inesperadas, porque muito bem programadas. Algumas pessoas gostam de ter uma agenda cuidadosamente anotada. Há, porém, uma que não tem o costume de permitir sua inscrição em nenhuma caderneta. Chega de modo imprevisto. E falamos da morte.

Um mal súbito

Outro dia um irmão de vocação teve um mal-estar nas costas, e acabou sendo internado no hospital para alguns exames. Telefonei: “Como está?” – “Esperando a morte!”, dize-me com certa alegria. Um câncer inesperado com metástases na coluna… Em alguns meses estará face a Face com Deus! Acabaram as agruras e preocupações do mundo, na confiança de uma vida consagrada levada com seriedade!

Outras mortes são súbitas, como a de Lutero, ou a de Ario.

A primeira está muito bem descrita por seu criado de quarto. Lutero não era de levar uma vida pobre e austera… abandonando a consagração religiosa e a castidade, vivia na sua cidade natal de Eisleben, em concubinato duplamente sacrílego com uma freira, e tiveram vários filhos. Um erudito franciscano de Cleves, em Renânia (Alemanha), que viveu pouco depois do bêbado de Eisleben, Frei Henrique, publicou, num de seus livros, o depoimento do empregado doméstico.

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“A tarde antes de sua morte se deixou levar pela sua habitual intemperança no beber, e com tanto excesso que fomos obrigados a o carregar totalmente bêbado e deitá-lo na cama. Depois, nos retiramos para descansar, sem pressagiar nada desagradável. Na manhã seguinte voltamos para ajudar nosso patrão vestir-se, como todos os dias. Porém, ó dor!, vimos nosso patrão Martin pendurado numa trave do dossel da cama, e miseravelmente estrangulado. Tinha a boca torta, a parte direita do rosto negra, o pescoço roxo e deformado… Seus convidados [vários príncipes e nobres] aterrorizados tanto quanto nós, logo garantiram, com mil promessas e os mais solenes juramentos, observar o máximo silêncio de modo que nada circulasse. E nos ordenaram a tirar o cadáver da trave, pô-lo sobre o leito, e em seguida dizer ao povo que o ‘mestre Lutero’ deixara imprevistamente esta vida” (Seduli, Henrici, Praescriptiones adversus haereses, Antuerpiae, Moretum, 1606, 210).
Há quem diga tratar-se de uma “fake news”, mas é absolutamente certo que morreu bêbado, e sozinho.

A morte de Ario

O herege de Alexandria, Ario, também foi visitado de modo inesperado em Constantinopla num momento em que seus comparsas pensavam ser de vitória. Ario, segundo Carrol (History of Christendom: The Building of Christendom, 1987), era alto e magro, de aparência distinta e boas maneiras; as mulheres “o adoravam, deliciando-se com sua cortesia, tocadas de seu aspecto ascético”; os homens impressionavam-se com sua aura de superioridade intelectual.

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Sócrates Escolástico, de Constantinopla, um pouco mais jovem do que o herege e tendo vivido na cidade dos fatos, conta na sua História Eclesiástica (livro 1, capítulo 38) que Ario foi chamado pelo imperador Constantino para se explicar a respeito de sua adesão às determinações do Concílio de Niceia. Diante do César, ele jurou fidelidade “a tudo quanto estava escrito”, porém sob o manto tinha escondido um escrito com suas opiniões heterodoxas. Santo Atanasio (contemporâneo de Ario), acrescenta um detalhe dessa conversa: “Se tua fé é ortodoxa, teu juramento é verdadeiro; mas se jurastes em falso Deus te julgará!”, teria dito Constantino. Porém o imperador, ignorante do engano, deu ordem ao Patriarca Alessandro de receber Ario na catedral e ministrar a comunhão.
“Era um sábado”, conta a crónica, “quando foi dada a ordem imperial”. Alessandro fechou as portas do templo para rezar: “Senhor, perdoa tua Igreja! Leva Ario deste mundo, pois seu ingresso no templo será a entrada o mesmo que a heresia, e a piedade não deve estar no mesmo lugar que a impiedade”.

No dia seguinte a multidão era imensa, tanto na catedral como nas ruas. Deixando o palácio do imperador, Ario caminhava com orgulho rodeado de seus sequazes. “Porém, chegando ao Foro de Constantino, perto da estátua de Porfírio… suas entranhas foram atormentadas por violentas cólicas. Perguntou onde havia banhos, lhe disseram que atrás do foro, e para lá se dirigiu. Porém apenas chegou a sua vitalidade desapareceu, os intestinos saíram do corpo com os excrementos, perdeu uma incrível quantidade de sangue, jogando fora até parte do fígado e do baço”. Assim morreu Ario. “Ainda hoje se mostra esse lugar, como um monumento público de uma morte realmente singular”, acrescenta Sócrates.

A morte de Acab

O anjo que o profeta Miquéias viu diante do trono de Deus, parece que não tenha ficado, ao longo dos séculos, sem descer novamente à terra, depois de enganar o rei Acab para que, segundo desejo do Altíssimo, “para que ele vá à guerra em Ramot de Galaad e morra” (1Re 22, 20). De nada adiantou ao rei mandar prender o profeta, com pão escasso e pouca água. Acab “morreu à tarde; o sangue das feridas escorrera no fundo do carro… Lavaram o carro na piscina de Samaria onde se banham as prostitutas, e os cães lamberam seu sangue, conforme o oráculo do Senhor” (1Re 22, 35.38).
O inesperado está atrás de qualquer esquina, para todos, e quem sabe em que modo será acolhido na sua visita?
Preparação para morte segundo São João Bosco

A este propósito, São João Bosco costumava aconselhar a seus jovens um exercício como se em pouco tempo devessem morrer: o piedoso exercício da boa morte. Eis as palavras do Santo: “Toda nossa vida, caríssimos rapazes, deve ser uma preparação para uma boa morte. Para conseguir tão importantíssimo fim ajuda muito realizar o chamado ‘exercício da boa morte’, o qual consiste em certo dia do mês preparar todos nossos assuntos espirituais como se em breve devêssemos realmente morrer.

Um modo prático de fazer este Exercício é o seguinte:
* fixar um dia do mês (por exemplo, o último de cada mês);
* à tardinha, ou desde a tarde precedente, fazer alguma reflexão a respeito da morte, a qual talvez esteja próxima ou pode chegar de modo imprevisto;
* pensar como passou o mês anterior, e sobretudo se há alguma coisa que perturba a consciência ou produz inquietação no espírito a respeito da sorte que nos caberia se comparecêssemos diante do tribunal de Deus;
* no dia seguinte fazer uma confissão e comungar, como se de fato estivéssemos a ponto de morrer.

Como pode acontecer que devamos sofrer uma morte súbita, por um desastre ou uma enfermidade, que não nos permitirá chamar um padre e receber os Santos Sacramentos, vos exorto a fazer frequentemente, ao longo da vida, até fora da confissão, atos de contrição perfeita dos pecados cometidos, e atos de amor perfeito a Deus, porque um só destes atos, junto com o desejo de se confessar, pode ser suficiente, especialmente nos momentos extremos, para cancelar qualquer pecado e nos abrir o Paraíso.
Exorto-vos também a fazer de tempos em tempos o propósito de aceitar, por amor de Deus, e vindo de Suas Santas Mãos, qualquer gênero de morte que Ela deseje mandar, com todas as angústias, penas e dores” (Dom Bosco, “O jovem instruído”).

José Manuel Jiménez Aleixandre

 

 

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