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“Corpus Christi”: história, instituição e origem da Festa

Redação (Quarta-feira, 19-06-2019, Gaudium Press) Vários motivos conduziram a Sé Apostólica a dar um novo impulso à piedade eucarística, estendendo a toda a Igreja uma devoção que já se praticava em certas regiões da Bélgica, Alemanha e Polônia.

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Primeiro motivo: revelações a Santa Juliana

O primeiro destes motivos remonta à época em que o Papa Urbano IV, então membro do clero de Liège, na Bélgica, analisou de perto o conteúdo das revelações com as quais o Senhor Se dignara favorecer uma jovem religiosa do mosteiro agostiniano de Mont Cornillon, próximo a essa cidade.

Em 1208, quando contava apenas 16 anos, a religiosa Juliana fora objeto de uma singular visão: um refulgente disco branco, semelhante à lua cheia, tendo um dos seus lados obscurecido por uma mancha.

Após alguns anos de intensa oração, fora-lhe revelado o significado daquela luminosa “lua incompleta”: ela simbolizava a Liturgia da Igreja, à qual faltava uma solenidade em louvor ao Santíssimo Sacramento.
Santa Juliana de Mont Cornillon havia sido escolhida por Deus para comunicar ao mundo esse desejo celeste.

Mais de vinte anos se passaram até que a piedosa monja, dominando a repugnância proveniente de sua profunda humildade, se decidisse a cumprir sua missão, relatando a mensagem que recebera.

A pedido seu, foram consultados vários teólogos, entre os quais o padre Jacques Pantaléon – futuro Bispo de Verdun e Patriarca de Jerusalém. Ele mostrou- se entusiasta das revelações de Juliana.

Segundo motivo para instituição da Festa de Corpus Christi

Transcorridas algumas décadas, e já após a morte da santa vidente, quis a Divina Providência que ele fosse elevado ao Sólio Pontifício, em 1261, tomando o nome de Urbano IV.

Encontrava-se Urbano IV em Orvieto, no verão de 1264, quando chegou a notícia de que, a pouca distância dali, na cidade de Bolsena, durante uma Missa na Igreja de Santa Cristina, o celebrante – que passava por provações quanto à presença real de Cristo na Eucaristia – vira transformar- se em suas próprias mãos a Sagrada Hóstia em um pedaço de carne, que derramava abundante sangue sobre os corporais.

A notícia do milagre espalhou-se rapidamente pela região. Informado de todos os detalhes, o Papa mandou trazer as relíquias para Orvieto, com a reverência e a solenidade devidas. E ele mesmo, acompanhado de numerosos Cardeais e Bispos, saiu ao encontro da procissão formada para conduzi-las à catedral.

Urbano IV institui a Festa de Corpus Christi

Pouco depois desse milagre Eucarístico, em 11 de agosto de 1264, Urbano IV emitia a bula Transiturus de hoc mundo, pela qual determinava a solene celebração da festa de Corpus Christi em toda a Igreja.

Terceiro motivo da Festa: celebrá-la solenemente para confundir os hereges

Uma afirmação contida no texto do documento deixava entrever ainda um terceiro motivo que contribuíra para a promulgação da mencionada festa no calendário litúrgico:

“Ainda que renovemos todos os dias na Missa a memória da instituição desse Sacramento, estimamos todavia, conveniente que seja celebrada mais solenemente pelo menos uma vez ao ano para confundir particularmente os hereges; pois, na Quinta-Feira Santa a Igreja ocupa-se com a reconciliação dos penitentes, a consagração do santo crisma, o lava-pés e muitas outras funções que lhe impedem de voltar-se plenamente à veneração desse mistério”.

Resposta aos hereges que negavam o Mistério do Altar

A solenidade do Santíssimo Corpo de Cristo nascia também como resposta à perniciosa influência de certas ideias heréticas que se alastravam entre o povo, em detrimento da verdadeira Fé.

Já no século XI, Berengário de Tours se opusera abertamente ao Mistério do Altar, negando a transubstanciação e a presença real de Jesus Cristo em Corpo, Sangue, Alma e Divindade nas sagradas espécies.

Segundo ele, a Eucaristia não passava de um pão bento, dotado de um simbolismo especial.

E em inícios do século XII, o heresiarca Tanquelmo espalhara seus erros em Flandres, principalmente na cidade de Antuérpia, afirmando que os Sacramentos, e sobretudo, a Santíssima Eucaristia, não possuíam valor algum.

Embora todas essas falsas doutrinas já estivessem condenadas pela Igreja, algo de seus ecos nefandos ainda se faziam sentir pela Europa cristã.

Assim foi que Urbano IV não julgou supérfluo censurá-las publicamente, de modo a tirar-lhes todo prestígio e penetração.

A Eucaristia passa a ser o centro da vida cristã

A partir desse momento, a devoção eucarística desabrochou com maior vigor entre os fiéis: os hinos e antífonas compostos por São Tomás de Aquino para a ocasião – entre os quais o Lauda Sion, verdadeiro compêndio da teologia do Santíssimo Sacramento, chamado por alguns o credo da Eucaristia – passaram a ocupar lugar de destaque dentro do tesouro litúrgico da Igreja.

No transcurso dos séculos, sob o sopro do Espírito Santo, a piedade popular e a sabedoria do Magistério infalível aliaram-se na constituição dos costumes, usos, privilégios e honras que hoje acompanham o Serviço do Altar, formando uma rica tradição eucarística.

Ainda no século XIII, surgiram as grandes procissões conduzindo o Santíssimo Sacramento pelas ruas, primeiro dentro de uma âmbula coberta, e mais tarde exposto no ostensório. Também neste ponto o fervor e o senso artístico das várias nações esmeraram-se na elaboração de custódias que rivalizavam em beleza e esplendor, na confecção de ornamentos apropriados e na colocação de imensos tapetes florais ao longo do caminho a ser percorrido pelo cortejo.

Incentivo às Procissões, crescimento da devoção ao Santíssimo Sacramento

Os Papas Martinho V (1417-1431) e Eugênio IV (1431-1447) concederam generosas indulgências a quem participasse das procissões.

Mais tarde, o Concílio de Trento – no seu Decreto sobre a Eucaristia, de 1551 – sublinharia o valor dessas demonstrações de Fé:
“O santo Sínodo declara que é piedoso e religioso o costume, introduzido na Igreja de Deus, de celebrar todos os anos com singular veneração e solenidade, em dia festivo e peculiar, este excelso e venerável Sacramento, levando-O em procissões por vias e locais públicos com reverência e honra”.1

Não apenas um ato externo

O amor eucarístico do povo fiel não se restringiu, porém, a manifestações externas; pelo contrário, elas eram a expressão de um sentimento profundo posto pelo Espírito Santo nas almas, no sentido de valorizar o precioso dom da presença sacramental de Jesus entre os homens, conforme Suas próprias palavras:

“Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20).

O mistério de amor de um Deus que não só Se fez semelhante a nós para resgatar-nos da morte do pecado, mas quis, num extremo de ternura, permanecer entre os Seus, ouvindo seus pedidos e fortalecendo- os em suas tribulações, passou a ser o centro da vida cristã, o alimento dos fortes, a paixão dos santos.

São Pedro Julião Eymard, ardoroso devoto e apóstolo da Eucaristia, exprimiu em termos cheios de unção esta celestial “loucura” do Salvador ao permanecer como Sacramento de vida para nós:

“Compreende-se que o Filho de Deus, levado por Seu amor ao homem, tenha-Se feito homem como ele, pois era natural que o Criador tivesse interesse na reparação da obra saída de Suas mãos. Que, por um excesso de amor, o Homem-Deus morresse sobre a Cruz, compreende-se também. Mas o que já não se compreende, aquilo que espanta os débeis na Fé e escandaliza os incrédulos, é que Jesus Cristo glorioso e triunfante, depois de ter terminado Sua missão na terra, queira ainda permanecer conosco, num estado mais humilhante e aniquilado do que em Belém e no Calvário”.

(JSG)

 

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