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Preparai o caminho do Senhor! (Jo 1,23)

A liturgia omite o hino do Glória e se reveste de roxo: é tempo do Advento. A sabedoria bimilenar da Igreja estimula os fiéis a se prepararem para o nascimento de Cristo. Qual, entretanto, é a origem deste tempo litúrgico?

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Redação (01/12/2022 17:32, Gaudium Press): Qualquer dona de casa sabe o quanto é necessário preparar sua residência com esmero para receber uma visita; ainda mais se tratando de uma pessoa ilustre. Essa atitude tão corriqueira no ambiente familiar nos ajuda a entender o modo como Deus atua no campo sobrenatural. Tendo em vista a encarnação do Verbo, o clímax da História, o Senhor preparou a humanidade durante longos milênios. Dessa forma, a Santa Igreja, em seu zelo materno, desde há muito tempo reserva quatro semanas que antecedem o Natal para revivermos a espera dos justos do Antigo Testamento e dignamente celebrarmos as festividades vindouras.

O que significa o termo Advento?

Tal como a palavra de origem latina indica, Adventus refere-se à chegada, à vinda. Na antiguidade pagã, designava a primeira visita de um personagem de alto cargo à cidade, como, por exemplo, o adventus Augusti, a chegada do Imperador a Roma. Já no contexto cristão, sobretudo na Vulgata[1], o termo passou a designar a vinda do Messias à Terra, seja na Encarnação, seja em pompa e glória no Fim dos Tempos.

Seu surgimento na Liturgia

As primeiras marcas da celebração do Advento pela liturgia católica datam do século V, quando São Perpétuo, bispo de Tours, aconselhava os fiéis a jejuarem três vezes por semana no intervalo entre a festa de São Martinho (11 de novembro) e o Nascimento do Senhor. No século seguinte, o II Concílio de Tours oficializou essa prática para os monges, o que acabou se estendendo aos demais fiéis sob o nome popular de “Quaresma de São Martinho”.

Por volta da mesma época, ao Papa São Gregório Magno (590-604) aprouve redigir um ofício para esse tempo litúrgico, bem como estabelecer missas próprias.

Todavia, o costume penitencial foi sendo mitigado com o passar dos anos. Nos dias do Papa São Nicolau I (858-867), sua duração foi reduzida a quatro semanas. E, no século XII, o jejum já estava substituído por abstinência. Pouco a pouco, o Advento foi adquirindo a estrutura que perdura até o presente.

Um paradoxo

Este período, no entanto, pode aparentar uma contradição. Ao mesmo tempo em que contém um caráter grave – marcado pelos paramentos roxos, omissão do Glória e sobriedade nos cânticos –, os Romanos Pontífices nunca lhe impuseram a abstenção do Aleluia.

De fato, ao lado da necessidade de sofrimentos expiatórios, a Igreja nos incita a uma atitude esperançosa e cheia de júbilo pela Redenção de Cristo, que novamente há de vir. É o que nos recordam os próprios textos litúrgicos desse tempo: nas duas primeiras semanas, as leituras nos apresentam Jesus Cristo como Supremo Juiz, com glória e majestade, fazendo justiça aos vivos e aos mortos. Enquanto que, no terceiro domingo, celebra-se o Gaudete: “Alegrai-vos no Senhor!” (Fl 4,45). A Igreja se reveste do alegre róseo e, em torno dos altares ornados pelas flores, nos convida a uma atitude de alegria pois “O Senhor está perto”. Por fim, no último domingo, a Sagrada Liturgia nos aponta a missão da Estrela da Manhã, a precursora do Sol de Justiça, Maria Santíssima. Sendo ela a primeira a receber Nosso Senhor na Terra, quem melhor para nos preparar diante de sua nova chegada?

Advento místico

Engana-se, contudo, quem pensa que somente essas duas vindas são contempladas nessa época litúrgica. Como ensina São Bernardo,[2] há ainda um terceiro Advento, aquele que se dá quando Nosso Senhor vem todos os dias fazer-se presente misticamente entre seus amigos. Afinal, é Ele mesmo quem o diz: “Se alguém Me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e Nós viremos a ele e nele faremos nossa morada” (Jo 14,23).

Desse modo, essas quatro semanas nos convidam especialmente a crescermos nesse amor. E assim, olhando o passado, podemos refletir sobre o presente e nos aprontar para o futuro.

Que a Santa Mãe do Redentor nos ajude a rompermos as cadeias que possam nos atar a qualquer vício, e a prepararmos dignamente o caminho do Senhor (cf. Jo 1,23) a fim de que, em meio às trevas do mundo hodierno – certamente mais tenebrosas que as do tempo da Encarnação –, façamos brilhar, desde nosso interior, a luz do Divino Infante. [3]

 

Por Gabriel Lopes


[1] Tradução latina das Sagradas Escrituras feita por São Jerônimo no séc. IV que permaneceu como edição oficial da Bíblia para a Igreja Católica desde o Concílio de Trento (séc. XVI) até o século XX, quando foi substituída pela Nova Vulgata.

[2] SÃO BERNARDO. Sermones de Tiempo. En el Adviento del Señor. Sermón III. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 1953, v.1.

[3] Artigo baseado em: GUÉRANGER, Prosper. L’année liturgique. L’Avent. 20. ed. Tours: Alfred Mame et Fils, 1920; SOUZA, Antônio Carlos de Oliveira. Tempos e festas da Liturgia. Aparecida: Santuário, 1999.

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