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Tragédia nos Andes: do que as pessoas são capazes para sobreviver?

Talvez esta tenha sido uma das piores e mais extremas situações a que seres humanos foram submetidos, quando os valores éticos e morais precisaram ser deixados de lado em nome da sobrevivência.

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Redação (13/10/2022 09:35, Gaudium Press) 13 de outubro. Há 50 anos, nesta mesma data, um grupo de jogadores do time de rugby do Uruguai conversava animadamente, a quatro mil metros de altura, dentro de um avião, a caminho do Chile, onde participariam de um jogo amistoso. Mas, se o clima dentro da aeronave era descontraído e agradável, lá fora era bem diferente. E o mau tempo acabou induzindo o piloto a um erro fatal, que mudaria o destino dos 40 passageiros e dos cinco tripulantes do voo 571.

A tragédia

O procedimento de descida foi iniciado antes da hora, resultando no impacto com o cume de uma montanha coberta de neve. Era o fim do Fairchild FH-7827, que se partiu ao meio e desceu a mais de 300km/h.

12 pessoas morreram durante a queda. 17 morreriam nos próximos dias, incapazes de resistir à temperatura inclemente, que chegava aos 30 graus abaixo de zero, ao abalo psicológico, ao medo e à escassez de água e comida, uma situação em que é mais fácil morrer, e sobreviver se assemelha a conhecer o inferno.

Uma história comovente que foi transformada em livros e filmes baseados nos relatos dos 16 sobreviventes da tragédia na Cordilheira dos Andes, a maior cadeia de montanhas do mundo.

Depois de dez dias perdidos no meio da neve e do gelo, um dos sobreviventes improvisou um rádio, mas, além de não conseguirem se comunicar, como pretendiam, ainda ouviram a desoladora notícia de que as buscas tinham sido encerradas, porque as autoridades não acreditavam que fosse possível haver sobreviventes.

No 16º dia, castigados pelo frio e pela fome, o grupo, que se abrigava na fuselagem do avião para tentar fugir dos ventos inclementes, foi surpreendido por uma avalanche de neve, que resultou em oito mortos.

Derretendo neve para matar a sede e lutando pelo improvável, em condições tão inóspitas, terminados os poucos alimentos que encontraram nos destroços do avião, os jovens foram dominados pela fome, ainda mais avassaladora devido ao frio, que requer do corpo muito mais energia.

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Em nome da sobrevivência

Quando a comida realmente acabou, um dos sobreviventes sugeriu se alimentarem da carne dos cadáveres das outras vítimas da tragédia. Narra-se que, num primeiro momento, a maioria relutou, pois acreditavam que logo seriam resgatados. Mas, à medida que os dias foram passando, cederam à fome e ao instinto de sobrevivência e praticaram o canibalismo.

Talvez esta tenha sido uma das piores e mais extremas situações a que seres humanos foram submetidos, quando os valores éticos e morais precisaram ser deixados de lado em nome da sobrevivência. O grupo foi resgatado em 22 de dezembro, 72 dias após o acidente, graças ao esforço de Nando Parrado e Roberto Canessa, que caminharam durante dez dias até encontrarem um vaqueiro que cavalgava próximo ao lugar onde conseguiram chegar.

Ainda hoje, 50 anos depois, o grupo se reúne, anualmente, no dia 22 de dezembro, para celebrar o que consideram uma espécie de aniversário, o dia em que teriam “nascido novamente”.

Objetivo da vida

Fernando Parrado, Roberto Canessa com Sergio Catalán

Fernando Parrado, Roberto Canessa com Sergio Catalán

Nando Parrado, que se tornou um empresário de sucesso e acumulou fortuna na área de eventos e comunicação, fez uma declaração no mínimo pitoresca: “Sou um homem de negócios muito forte e ético. Gosto mais que qualquer um de bons restaurantes, de bons carros, de voar de primeira classe. E como consegui acumular tudo isso? Fazendo a mesma coisa que fiz nos Andes. Vivendo cada dia como se fosse o mais importante”.

Então foi para isso toda aquela aventura, todo aquele sofrimento? Desafiar as condições mais inóspitas que se possa imaginar, matar a sede bebendo neve derretida, ter a pele queimada pelo frio, passar fome até chegar ao extremo de se alimentar da carne de outros seres humanos, caminhar dez dias enfrentando ventos fortes, o frio extremo, a incerteza e o desconhecido, apenas para, 50 anos depois, concluir que gosta de bons restaurantes, bons carros e de voar de primeira classe?

Essa declaração, de um profissional conhecido e admirado por sua garra e sucesso nos negócios, nos faz pensar que tudo pelo que passaram e tudo o que fizeram foi apenas movido pelo mais elementar instinto de sobrevivência. Tudo isso foi feito para garantir a vida do corpo e a possibilidade de saciar os seus apetites e lhe proporcionar toda sorte de prazeres, em nome de 72 dias de acerbas privações.

Pelo inusitado que passaram esses 16 sobreviventes, as suas desventuras se tornaram conhecidos no mundo todo, mas quantos há, anônimos, que fazem as coisas mais absurdas para garantir sobrevivência e longevidade, como se a vida do corpo fosse o bem mais importante de um ser humano, cuja vida da alma também se esgotaria com o último suspiro?

A vida da alma

Quão pouco se faz para garantir a vida da alma e o acesso à eternidade, uma eternidade feliz, que só pode ser conquistada por uma vida de santidade, piedade e oração! Mas, ao contrário, disso se foge, porque ‘a santidade atrapalha o desfrutar de todos os prazeres, a piedade pode ser deixada para amanhã e a oração é coisa de gente fraca e carola’.

O que muitos esquecem é que, quando o avião da vida cair sobre a grande cadeia de montanhas que divide vida e morte, bem e mal, inferno e Céu não haverá como derreter a neve da indiferença para aplacar a sede provocada pelo pecado, e nem tampouco poderemos nos alimentar das almas daqueles infelizes que morreram antes de nós.

Em um ponto, o sr. Nando Parrado está correto, deve-se viver bem cada dia, porém, sem esquecer que o mais importante é o dia de amanhã, porque o hoje da nossa insignificância passará brevemente e o nosso amanhã se chama eternidade e, uma vez precipitados no abismo por excesso de zelo com esta vida que passa, não teremos mais como voltar.

Por Afonso Pessoa

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