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Frei Maria-Gabriel: do campo de batalha à Trapa

 Ninguém pode medir o papel das orações e penitências que se fazem sob apenas o olhar de Deus.  

Gabriel Antonio Mossier

Redação (26/09/2021 08:51, Gaudium Press) Nascido a 25 de agosto de 1835, de uma antiga e honrada família de Auvergne, Gabriel Antônio Mossier distinguiu-se desde a infância por uma entranhada piedade e devoção à Santíssima Virgem, mas também por ter um vigoroso físico e indomável energia.

Em Clermont-Ferrand, estudou na Companhia de Jesus, onde recebeu láurea por sua inteligência e, sobretudo, por sua admirável força de vontade.

O que será – perguntava sua família – deste jovem ao mesmo tempo tão austero e tão audacioso? Gabriel sabia a resposta. Aos doze anos combinou com um amigo, Victor Bosdure, que escreveriam o destino que cada um seguiria. Anotaram e depois esconderam no buraco de uma parede, concordando voltar ali quando passassem os anos, a fim de conferir se haviam acertado a suposição. Vitor escreveu: “Eu serei missionário”! Mossier: “Eu serei trapista”! De comum acordo, decidiram não contar a ninguém.

Dragão e capitão de cavalaria

Os anos passaram-se e ambos os amigos cresceram em idade e ciência; findou-se o período colegial e cada um precisou fazer a escolha de um destino: Victor decidiu fazer-se carmelita. Gabriel sem hesitar, consciente de sua admirável força e inteligência generalícia, decidiu, obstinadamente, seguir os pensamentos de heroísmo e sangue vertido pela pátria que preenchiam seu coração, e fazer seu futuro sobre um cavalo aos brados de: “Viva a França”.

Antes de partir, ajoelhou-se para se despedir de Nossa Senhora. E a lembrança do bilhete escondido lhe aflorou na memória. Que atitude tomar? A hora do claustro ainda não havia chegado – pensou Mossier; e decidiu alistar-se. Logo foi aceito no 3º regimento de dragões de cavalaria.

Muito rapidamente ascendeu na vida militar: com sete meses de serviço, a 23 de outubro de 1854, já era brigadeiro. De cargo em cargo é feito, a 5 de junho de 1861, capitão.

No mês seguinte, entretanto, um fato lhe faria repensar sua vida. Victor, seu antigo amigo, lhe convidou para ir assistir a seus votos solenes, pois conhecia a força da voz da consciência. Decidiu fazer também uma cerimônia de imposição de escapulário com o recém-oficial, que aceitou, com o coração transpassado pela lembrança da promessa; chorando a fraqueza de não conseguir largar o mundo.

Mas o capitão tornou à vida de todos os dias, e com ela se foram as impressões profundas da vida religiosa.

A 14 de Agosto de 1867, Gabriel foi nomeado subtenente. As esperanças da vida religiosa pareciam longe: apenas um grande golpe poderia fazer os anseios da Providência se realizarem. Em 1870, estourou a guerra Franco-Prussiana e lá estava o ardoroso guerreiro a lutar pela pátria. Porém, neste momento, Deus decidiu reforçar seus apelos à vida religiosa. Durante caminhadas longuíssimas, as últimas palavras de Antônio, seu pai, não paravam de ressoar em sua consciência: “Tens fé, meu filho, mas não é suficiente”!

Gabriel se viu vencido. Nas marchas e contramarchas da guerra, encontrou uma brecha e escapou para rezar e pedir o auxílio de Nossa Senhora em um mosteiro trapista: “Trapa, sempre a trapa e de novo a trapa, é estranho, mas se a minha Mãe do Céu quer, não posso hesitar, eu preciso ir, eu irei”!

Gabriel pediu então para dormir no mosteiro aquela noite, aproveitou para se confessar e assistir o ofício às duas horas da manhã. Mas era preciso voltar a cumprir o dever.

Apenas algumas centenas de metros de onde estava o regimento de Mossier, os prussianos estavam à espera de um combate. Gabriel fez, então, um acordo para conhecer a vontade de Deus: se ele morresse, Deus não o havia chamado à vida religiosa, mas se não morresse iria assim que possível à trapa.

No dia seguinte, travou-se a batalha de Gravelotte e o subtenente levou um golpe de sabre na nuca que, enfraquecido pelo capacete, pouco lhe penetrou na cabeça. Por sua heroicidade no combate foi nomeado cavaleiro da legião de honra após alguns dias; e 10 dias depois lhe chega um comunicado: os franceses deveriam capitular.

Passaram os dias, e a Prússia liberou seus prisioneiros. Surpresa para Gabriel, nova graduação: capitão do 16º de dragões. Mas ele já tinha outro destino.

A espada da vida religiosa: Omnia per Mariam

Gabriel se demitiu e partiu para a trapa de Chambarand, a mais pobre que encontrara.

Recusando de seus superiores religiosos cargos importantes no mosteiro, renunciando até mesmo ao sacerdócio, percebeu que a vida religiosa não era tão simples. Ele, que vencera refregas aparentemente impossíveis, desafiara o inimaginável e comandara difíceis batalhões, muitas vezes se viu incapaz de praticar as virtudes de um monge. Até que encontrou o segredo: a vida religiosa é uma guerra, na qual se vence quem reza a Ave-Maria: ela é a espada vitoriosa e as muralhas que suportam os ataques dos demônios.

Sua saúde enfraquecera no mosteiro e ele viu-se incapaz até de cuidar dos animais. Por isso, seu superior mandou que escrevesse livros e cuidasse das correspondências da casa religiosa. Seu lema era Omnia per Mariam, e nunca deixava de escrever nas cartas o nome daquela que o sustentava na vida religiosa.

 Trapa: um campo de batalha

Frei Maria-Gabriel entendeu que, apesar de a vida militar às vezes parecer o antônimo de vida monástica, havia nelas uma semelhança indissolúvel: os barulhos do combate e os crepitares das metralhas, com os cantos graves que se elevam da capela de um monastério, no meio do silêncio da noite, para cantar louvores ao Criador e rezar pelo mundo.

Eram aparentes antíteses, mas que no fundo possuíam afinidades estranhas: o campo de batalha e o claustro, a vida militar e a vida religiosa. Ambas as maneiras de viver possuem fins distintos, mas o meio para se alcançar a finalidade é o mesmo: a guerra. O soldado lutará, arriscará a própria vida para glorificar a pátria; o monge fará guerra contra seus defeitos, lutará contra suas paixões para honrar a pátria celeste.

Enfim, a Cruz e a espada são iguais, só depende do sentido para qual estão voltados. A Cruz desce do Céu e aponta para a Terra, pois que veio salvar os homens, mas quando os homens abraçam a Cruz, ela se torna uma espada que conquista o Céu.

Um dia, soldados e conhecidos lhe visitaram e perguntaram o que fazia em uma Trapa; respondeu ele: “Rezo e faço penitência, é a minha maneira de servir à França”.

A 10 de Abril de 1897 aos 25 anos de vida religiosa, morreu o monge-soldado, que fez do campo de batalha a preparação para sua vida religiosa e da vida religiosa seu campo de batalha.

Quão profundas são as palavras: “é a minha maneira de servir a França”. Sentença que encerra uma parte desconhecida da História. Ninguém poderá medir o papel das orações e penitências que se fazem sob apenas o olhar de Deus.

Quem conhece o verdadeiro valor do peso que carregam os religiosos, dentro dos destinos de um povo e da humanidade inteira, com o tesouro ignorado de súplicas e de sacrifícios oferecidos a cada dia na sombra dos mosteiros e dos claustros para reverter ou apaziguar a cólera de Deus?

Por Luiz Felipe Kopanski


Referências:

Dom Du Bourg. Du Champ de Bataille à la Trape. Paris: Librairie Académique Perrin, 1939.

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