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É preciso crer no absurdo?

A doutrina católica é permeada de mistérios que à primeira vista contrariam a razão humana. Será o católico obrigado a crer em verdades desarrazoadas?

Trinidad Catedral Colonia Alemania

Redação (30/09/2020 15:36, Gaudium Press) Não raras vezes, paira uma dúvida na mente de muitos homens – geralmente incrédulos, mas por vezes até católicos – a respeito dos mistérios da fé. Aqueles, por má vontade, desacreditam as verdades que são ensinadas pela Igreja, e estes, para manter a integridade de sua fé, dão uma adesão, quase “no escuro”, mesmo sem compreender bem como pode o homem acreditar em algo que não entende ou acredita, porque assim manda a Igreja.

Mas, será que a Igreja Católica exige que os fiéis creiam em algo que é contrário à razão? Não estarão certos os descrentes que, “fundamentados” na incompreensão dos mistérios, negam a realidade do que a Igreja ensina?

Para esclarecer essas questões, é preciso ter claro o que é o mistério.

O que é o mistério?[1]

“Chama-se mistério (da palavra grega μυστήριον, coisa secreta) uma verdade revelada por Deus, em que somos obrigados a crer pela autoridade da sua palavra, e que, sem ser contrária à razão, está, contudo, acima das luzes dessa mesma razão, de modo que fica incompreensível”.

Para bem compreender essa definição, rica em significados, é necessário, antes de mais nada, elucidar alguns conceitos, tais como: incompreendido ou superior à razão, que é diferente de ininteligível e contrário à razão.

Incompreendido é o que não é inteiramente penetrado ou explicado, de modo que não há uma clareza total da inteligência, restando ainda trevas e alguma inadequação entre o objeto e a inteligência. Isso se dá por incapacidade da inteligência, uma falta de alcance a respeito do objeto ao qual se dirige.

O incompreensível é o que, por sua própria natureza, nunca deixará de ser incompreendido, porque a inteligência humana é incapaz de possuir a extensão e o alcance suficientes para entendê-lo bem. Assim, Deus será sempre um Ser incompreensível para os homens. O mesmo se dá também com todos os mistérios da fé, e é o que se entende por estar acima das luzes da razão.

Já o ininteligível é aquilo a que não corresponde e não pode corresponder ideia alguma. Por exemplo, colocar letras a esmo em uma linha resultará em algo ininteligível.

O contrário à razão é aquilo que obriga a razão a se desmentir a si mesma. Crer, por exemplo, que algo pode ser e não ser ao mesmo tempo; que um círculo seja quadrado, etc.

Portanto: “Qualquer mistério cristão, sendo uma verdade dogmática ensinada por Deus mesmo, deve necessariamente ser incompreensível para a inteligência humana. Está acima da razão, porém, não se pode provar que lhe seja contrário. E quando Deus impõe a crença num mistério revelado, não só não exige um sacrifício desarrazoado, mas pelo contrário deixa subsistir os direitos da razão e dá à inteligência o meio e a ocasião de se exercitar nobremente.”

Uma pequena ilustração

Um dos principais mistérios da fé é a unidade e trindade de Deus: a Santíssima Trindade. São Três Pessoas em uma única Natureza Divina. Nossa inteligência é capaz de expressar essa verdade, mas, por ser ela incompreensível, não pode entendê-la por inteiro.

Para elucidar essa verdade a respeito do incompreensível, à guisa de exemplo, basta analisar um cego de nascença. Ele nunca teve a ventura de ver a luz, e, por isso, não tem possibilidade de compreender o que são as cores. Embora alguém tente lhe explicar, por mais minucioso que seja, nunca poderá fazê-lo experimentar a alegria de ver uma cor. Portanto, as cores, para ele, são incompreensíveis. E, nesse caso, o defeito não está nas cores, e nem na pessoa que tente lhe explicar, mas em si mesmo, pois padece uma deficiência física, a cegueira.

Deus, em sua infinita bondade, revela aos homens muitas de suas grandezas que vêm sendo ensinadas há dois mil anos pela Santa Madre Igreja, e que de si são incompreensíveis para o homem, embora nunca contrariem a razão humana. Logo, quando uma verdade ou um mistério da fé não são inteiramente compreendidos, não é porque se trata de algo que contraria a razão, mas sim que a excede. Por conseguinte, os homens, meras criaturas, em suas limitações, devem fazer uma vênia ao incompreensível e aderir com toda alma ao que é inteiramente razoável.

Quantas vezes a falta ou a perda da fé são provenientes de certas deficiências na razão que parece tão segura de sua incredulidade…

Por Odair Ferreira


[1] Cf. CAULY, Eugène Ernest. Curso de instrução religiosa. São Paulo: Livraria Francisco Alvez e Cia, 1914, v. 4. p. 2-3.

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